Há
dois dias li sobre uma decisão judicial que abria brechas para reversão sexual.
Emudeci. Li também uma outra decisão que entendeu que
espancar a filha com fio de TV é apenas proteção. O Poder Judiciário
brasileiro, machista e opressor, tem revitimizado as minorias.
Simone de Beauvoir
alertou: "Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou
religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos
não são permanentes, você terá que manter-se vigilante durante toda a sua
vida". Ouvi da Licya que uma vez mulher e LGBT a
atenção é redobrada, ou o sistema nos engole. Sim, Amélie, "são tempos
difíceis para os sonhadores". Censuraram peça teatral com atriz trans e
exposição queer, querem negar a existência LGBTQIA+ ao tempo que o nome mais
comentado do Rock in Rio é o de uma drag (Pabllo Vittar, te venero). Uma pausa.
O Brasil é o país que mais procura por trans no RedTube e o que mais mata trans
no mundo. Contraditório, não?
Ao contrário do que
propagam por aí, a espécie humana não é a única homossexual e não são todos os casais
homoafetivos que querem ter filhos (sim, podemos). Casal não é só homem e
mulher, filhos não são apenas biológicos, cultura não é só o que você gosta
(não acredito que em pleno 2017 eu estou repetindo isso).
O inglês Stephen Fry
lembrou no documentário Out There que
acontece um homicídio por dia por homofobia em nosso país. Que a lei (que criminaliza a homofobia) não passa
por causa de bancadas conservadoras. A risada que se ouve no referido vídeo ecoa nos meus ouvidos sempre
que leio que a ditadura não existiu e que é necessária a intervenção militar.
Todos estão surdos, Roberto Carlos. E o deboche está escancarado quando usam
uma condição para diminuir (gritam viado/sapatão como ofensa, né, Dante?), afinal, qual a graça de ser preconceituoso/a?
Nos últimos dias tentei contar quantos relatos
de homofobia intrafamiliar já ouvi, sem sucesso. Os piores foram confidenciados
por adolescentes: "Você está louco/a", "não é normal",
"eu não aceito um filho gay dentro da minha casa". A orientação homo
é tão normal quanto a hétero, é uma questão de sintonia, não é uma escolha.
Pense bem: Quando você resolveu ser hétero?
A condição vem de
dentro para fora, a opção vem de fora para dentro. Se você é hétero convicto,
olhe, não há influência que te reverta. O país tropical que era conhecido por
sua hospitalidade agora é conhecido por sua intolerância. O que acontece anualmente no Brasil é um verdadeiro
"homocausto" (quem quiser saber mais sobre os dados da violência,
sugiro que curta a página Quem a Homotransfobia Matou Hoje ? no facebook).
Fora do Brasil, além
das já ditas "clínicas de cura", existem campos de concentração e penas de morte... Então, que tal dar uma pausa nos memes? Que tal parar de desmerecer o nosso SUS? A pior homofobia é a infrafamiliar, algumas famílias anseiam por tratamentos de reversão sexual, principalmente de crianças e adolescentes sem voz. Não são casos isolados. Cada caso de violência contra pessoas da comunidade LGBTQIA+ importa e deve ser estudado como tal. Nenhum processo, seja judicial ou não, pode abrir precedentes para o
retrocesso.
Até que ponto a “Justiça” pode controlar atos de conselhos de
classe? Há uma memória que não pode ser ignorada: a dos tratamentos desumanos,
das torturas físicas e das psicológicas. Uma comunidade inteira precisa de respeito, de liberdade,
de oportunidades reais de estudos e trabalhos dignos. Precisa de acesso efetivo à
justiça para que cada pessoa possa usar o seu nome, identificar o seu gênero, para dispor do próprio corpo, para
casar e ter filhos se quiser, para punir a violência e a morte dos seus (dentre tantos outros direitos
básicos), enquanto nada disso é regulamentado. A OMS já ditou: A homossexualidade não é doença. E
eu sigo acreditando nos cartazes coloridos que gritam que o amor é o remédio e que amar
é um direito de todos.
*Sim, o título do
texto foi inspirado na canção O que será (À flor da pele), do Chico Buarque.
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