terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Eu atendi

a primeira das três ligações resmungando. Não obstante o Novo CPC ter me garantido férias, o celular não parava de tocar. Minha irmã me perguntou se eu não gostava da minha profissão, pois adorava responder dúvidas atinentes ao seu trabalho. Respondi que gosto de advogar (sempre foi a minha vontade), mas que estou muito insatisfeita com a advocacia.
Logo que peguei a minha vermelhinha enfrentei o maior obstáculo da carreira: Em Fortaleza cobram muito do(a) advogado(a) júnior (deve ter experiência, no mínimo falar uma língua estrangeira e ser especialista, disponibilidade para horário integral e extra, deve ter carro, etc.) e pagam mal. Eu ganhava melhor como secretária, o que só me exigia o Ensino Médio completo. Daí resolvi voltar a morar no interior.
Aqui encontrei condições melhores para trabalhar (ganhava razoavelmente bem e podia fazer os meus horários), além da procuradoria montei o meu escritório (home office no início e depois uma parceria). Mas como tudo o que sobe desce, o meu contrato com a prefeitura venceu e a parceria acabou depois de uma rasteira. A partir daí os contras pesaram mais do que os prós. São cinco anos de labuta, não parei na primeira dificuldade (narrando assim, até parece).
A lentidão do Poder Judiciário é o que mais desmotiva. Tenho processos do Juizado Especial parados desde 2013, conclusos para sentença, apenas. Antes não tinha juiz (a) titular na Comarca (Catarina), agora temos (uma juíza competente, mas que não é uma máquina de julgar, é humana). Imagina o que são anos sem um(a) juiz(a) titular? Meses sem fazer uma audiência, sem um mísero alvará? Eu sei. Sei o que é ver o nosso Estatuto ser rasgado (se rasgam a Constituição Federal, imagine o Estatuto da advocacia), ver faltar respeito entre os membros do Poder Judiciário, entre servidores e advogados e o pior: entre os próprios advogados. Nosso meio é muito vaidoso e ninguém precisa disso.
Quem é advogada sabe que os obstáculos são dobrados (sim, pelo simples fato de ser mulher). Ano passado fiz duas entrevistas de emprego para voltar à capital, um não rolou porque fui assediada, outro porque preferiram um advogado, mesmo que menos gabaritado do que eu. Foi duro, foi. Vi uma colega ser preterida por ser casada e mãe e vejo tantas outras sem vez e voz, deixando a advocacia de lado por outros n motivos e (felizes as que tem oportunidade) parando para estudar para concursos.
Também prestei concurso e passei para professora temporária do curso de Direito de uma universidade estadual. De 27 candidatos fui a única mulher aprovada. O feito não me causa orgulho, me causa tristeza. Deveríamos ser professoras, advogadas, promotoras, delegadas, juízas, analistas... O que estamos fazendo com os nossos diplomas?
Encontrei na universidade e na fotografia um refúgio. Agora que estamos no período do recesso forense, vou me permitir pensar em algo que não seja colega trapaceiro, clientes que não compreendem que o andar do processo não depende apenas do(a) advogado(a), a anuidade que subiu e tantas outras contas a pagar em janeiro. Vou colocar o celular e a mente no modo silencioso. Vou repensar o meu trabalho e como posso me reerguer.
P.S.: Eu sei que não está sendo fácil para ninguém e que 2016 foi tenebroso. Estou aqui para chorar as minhas dores, que são as dores de muitos que advogam.
P.S.2: Enquanto eu redigia esse texto, um curso jurídico de Fortaleza (onde eu estudei, inclusive), postou uma foto de sua festa de confraternização que mais parecia um comercial de cerveja. Lutamos por direitos iguais e cansamos de ser objetificadas.



Perdi o gosto bom das coisas, ela disse no começo da manhã. Fiquei pouco atônita, pouco pensativa, como assim? Perdi, ela disse. No final do dia, depois de horas de trabalho, alguma desilusão, dor nas costas por passar mais de oito horas sentada, o corpo doido por uma água morna, os pés implorando uma pantufa cheia de aconchego, a barriga pedindo por favor uma comida boa e honesta, o coração pulando em busca de um porto, eu entendo. Entendo o gosto dilacerado ou perdido ao longo do dia. Mas uma manhã como essa, pura e nova e fresca e tão azul, de um azul bonito e quente, um azul vivo e limpo, não sei. (Clarissa Corrêa)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Eu lia

as postagens do antigo blog como leitora. Como uma terceira pessoa, de fato. Não me reconhecia naquelas linhas, tampouco naquelas situações. Não que estivesse ruim (o texto), mas virou passado (o que vivi e quis), e tão avassalador que fácil confundir com um sonho ruim.
De lá pra cá me conheci, desconhecendo as outras pessoas. Percebi que o que eu quero é residual, pois excluiu o que e quem não quero. Desapego? Não. Eu diria que é o apego às coisas e pessoas certas. Certo é o que me faz feliz e dá paz.
O nome desse blog veio da música Pra ficar legal do Humberto Gessinger, sucesso dos Engenheiros e regravada recentemente. A letra e eu te dizemos que estamos loucas pra ficar em paz. Parafraseando o meu amigo Robert Sampaio, pra sorrir por nada e pra ser grata por tudo. Quando li o texto dele ontem cedinho, tive certeza que era pra mim e que também não podia ficar mais sem escrever, não dava mais para adiar porque tenho muito acumulado aqui dentro.
Sinto os meus pés no chão e as minhas asas abertas, prontas pra alçar voo (depois de um tempo paradas, pesando as costas). Sinto um frio imensurável na barriga por perceber que dois dos meus maiores desejos se realizarão mês que vem, mas não é por isso que tudo se tornará mais fácil. Outros desafios.
Tento organizar a bagunça que ficou depois da festa, sendo o que me tornei com todos os poréns. Sigo vendo a realidade, alternando entre a xícara de café e o copo de cerveja. Sigo como cantou o Chorão: imprimindo o meu sonho na história, como tudo deve ser.